O México vive um verdadeiro
caldeirão político e social. O desaparecimento de 43 jovens estudantes em 26 de
setembro deste ano. No Estado de Guerrero a falta de resposta sobre o episódio
despertou a ira em vários setores da sociedade daquele país. A revolta nas ruas
é contra a impunidade e corrupção, praticamente institucionalizadas no estado
com uma grande influência dos cartéis do narcotráfico.
Carlos Aparício é radialista,
ativista da Comunicação Comunitária no México. Ele é Vice-Presidente da
Associação Mundial de Rádios Comunitárias para a América Latina – AMARC .
Aparício conversou com o Radiotube e deu um panorama da situação no México.
O que de fato acontece no
México?
No México o que aconteceu no
estado de Guerrero com os 43 estudantes desaparecidos não pode ser
considerado um episódio isolado ou um assunto novo. É uma realidade que se
mantem por muito tempo, mas que nos últimos 14 anos tem se complicado demais. O
nosso país vive com a ameaça do dinheiro do narcotráfico, são cerca de 70 a 80
bilhões de dólares por ano que ingressam no país por causa do narcotráfico, e
isso dá possibilidade para esse dinheiro comprar a justiça, autoridades e
impunidade. No ano de 2006, quando chega ao poder, o Presidente Calderon, o que
aconteceu foi uma tentativa de resolver esse problema pela força com uma
estratégia de guerra contra alguns grupos do crime organizado. Isso foi uma
decisão ingênua e inútil que contribuiu para o caos do país. Guerrero é um
lugar aonde ocorreu uma guerrilha nos anos 1970, e a presença militar tem sido
permanente e a violência contras as comunidades é algo que não é novo.
Infelizmente, os partidos de esquerda que podiam representar as pessoas mais
necessitadas não estão servindo, esses partidos trabalham para o seu próprio
benefício e fazem acordos com esse governo, do Presidente Henrique Peña Nieto. O
governo propõe reformas que não são precisamente de interesse da maioria da
população.
Até que ponto a influência
de um vizinho tão poderoso como os EUA contribui para essa situação?
Tem muito haver sim com a
influência americana, sem dúvida. Vivemos ao sul, e desde 1994 quando
iniciou o tratado de livre comércio, o NAFTA, ocorre um abandono do campo, e
muitos desses trabalhadores rurais mexicanos tiveram que sair e trabalhar em outro
lugar. Muita gente por uma condição econômica teve que imigrar para os EUA. A
maior remessa de divisas que chega ao México é de todos os mexicanos que vão e
trabalham ilegalmente ou legalmente nos EUA. São cerca de 30 bilhões de
dólares, mais que a remessa estrangeira.
Mas podemos dizer também que
essa crise pode ser creditada a política neoliberal?
Obviamente, o problema não
se relaciona somente como uma questão da política neoliberal. Tanto esquerda
quanto direita contribuíram com essa situação. No estado de Guerrero os dois
últimos governadores foram de esquerda. Então, não podemos dizer que unicamente
é um tema relacionado com as políticas neoliberais. Na realidade, a raiz disso
tudo está na corrupção que chegou a todos os níveis e finalmente se apoderou do
estado. E não é somente do narcotráfico. É de uma sociedade que não acredita em
nada, que não acredita em si mesma. Então, é uma grande selva que estamos
vivendo, em que: quem tem mais dinheiro hoje, e que pode influir com dinheiro é
o que se salva.
Qual o papel dos zapatistas
neste momento?
Os zapatistas entraram em um
impasse, uma espécie de trégua há alguns anos, inclusive nos anos 2000 quando
negaram a possibilidade de uma lei para os povos originários indígenas. Em
2006, o zapatismo não apoia o representante de esquerda que era Lopez Obrador,
candidato a presidente na época. Assim, sua atividade foi sendo reduzida até
chegar a dois anos atrás quando foi anunciado que o Subcomandante Marcos não
iria mais aparecer em público. Emitiram um comunicado dizendo isso. O zapatismo
existe ainda, mas não com tanta intensidade.
E a grande imprensa, como
está tratando essa crise?
Eu tenho percebido que está
ocorrendo uma boa cobertura sobre esse caso. Estão ouvindo todas as vozes, há
informação, todo mundo fala sobre o tema, e nada está sendo ocultado. As
criticas ao governo de Henrique Peña Nieto têm sido bastante duras em todos os
espaços.
E a crise política, o que
acontece com o Presidente Peña Nieto?
Henrique Peña Nieto
completou recentemente dois anos de mandato. A popularidade dele está muito
baixa, segundo as pesquisas ele tem 60% de desaprovação. Há tempos não havia um
presidente tão ruim para a população do México. Ele tem uma série de propostas que não
serão aprovadas pelo congresso. Da criação de uma só policia para o país,
entre outras. Enfim, projetos como esse dificilmente ele conseguirá aprovar.
Dada à situação acho que o Nieto devia renunciar, o problema é que não existem
pessoas que possam assumir para fazer de fato as mudanças necessárias e
verdadeiras. Uma transição no México seria complicada e difícil nos próximos
anos.
Quem é o mexicano que está
na rua protestando?
Temos observado que a
polícia tem sido bastante violenta com os manifestantes, há também como em
todos os países democráticos grupos de anarcopunks que optam pela ação direta,
eles estão em várias cidades e representam um movimento importante. Na Cidade
do México eles estão bem organizados liderando protestos, um movimento grande
de jovens que estão evidenciando muitas coisas. E claro, a imprensa foca muito
na destruição de bancos, automóveis e prédios públicos, mas sabemos que no
México nada vai se resolver com a violência, isso está bem claro. A maior prova
disso é o fracasso no combate ao narcotráfico.
O que o México pode esperar
para 2015?
Haverá eleições federais em
2015, vamos ver o que vai acontecer. Não é a primeira vez que acontece esse tipo
de crime como esse desaparecimento de 43
estudantes. Lembro que ocorreu uma chacina em Acteal em que outros trabalhadores
rurais cercaram membros do movimento zapatista, meninos que foram mortos em
escolas. Enfim, o México vai acumulando esses episódios que desgastam e que se exige uma mudança significativa nessa
situação. Não sei se essa mudança se dará com uma insurgência, como ocorreu no
início do zapatismo. O fato é que se chegou a um panorama aonde alguma coisa
precisa ser feita. Pode ser que aconteça algo como aconteceu na Argentina no
ano 2001, quando por causa dos protestos contra o “curralito” lá tiveram seis
presidentes em um ano. Podia ser uma história como aquela, mas não estou tão
seguro que possa ser. Mas o problema aqui é esse Presidente, que não sabe o que
quer que não resolve nada, não tem inteligência e capacidade
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